Designer não é personal trainer

Moema Cavalcanti, uma das melhores designers gráficas do país, não costuma se apresentar como designer. Para ela, essa denominação lembra personal trainer, “um termo da moda, em inglês para parecer muderno”. Por isso, prefere um modesto “capista”, já que seu principal campo de atuação é o projeto de capas de livros.

Moema é radical e com certeza gosta de frases de efeito, mas ela não está sozinha nesse desconforto. A palavra design disseminou-se muito recentemente e, na maioria das vezes, é empregada com um significado reducionista, que a associa a coisas caras, frescas e com um “visual arrojado”. Por conta desse adjetivo, usado a torto e a direito, a atividade é entendida como associada a um estilo de móveis ou objetos, o “estilo design”, em oposição a um “estilo clássico”, provençal ou country. As empresas muitas vezes assumem essa confusão, como a Porcelana Schmidt, que tem linhas como “Gold (decorações nobres e exclusivas)”, “Classic Prática (tradição com praticidade)” e “Design (vanguardismo)”.

Está na hora de lançar alguma luz no meio dessa confusão e, para isso, nada melhor do que ir ao velho e bom dicionário. A expressão em inglês, já há alguns anos, foi incorporada aos dicionários de português. Aurélio e Michaelis coincidem na definição: design é “concepção de um produto ou modelo; planejamento”.

Não, a adoção da expressão em inglês não é colonialismo besta dos brasileiros. Mesmo os povos mais ciosos de sua língua, como os franceses e os japoneses, não encontraram uma tradução à altura para a palavra. Uma das poucas exceções é a língua espanhola, que tem “dibujo” para desenho e “diseño” para design.

A diferenciação é necessária. A habilidade dos profissionais da área vai muito além do mero ato de desenhar. Os designers de produto têm que adaptar suas ideias aos métodos produtivos existentes, levando em conta aquilo que as indústrias estão ou não aparelhadas a fazer; têm que analisar se os produtos cumprem sua função da melhor maneira possível; têm que examinar se são fáceis de manusear ou operar; e, por último, mas não menos importante, se são bonitos. Seu trabalho consiste em imaginar, criar e encontrar meios de construir novos objetos que sirvam ao ser humano. Mudando o raio de atuação, a definição vale também para os designers gráficos (que projetam identidade visual, embalagens, livros, sites etc.) e para aqueles que projetam ambientes, conhecidos como designers de interiores.

Design é a única maneira de buscar e expressar o diferencial de qualidade dos produtos e serviços num mercado cada vez mais competitivo e mais “igual”. Não é uma maquiagem superficial, nem um enfeite que se acrescenta quando o produto está pronto, o chantilly ou a cereja em cima do bolo. Design tem a ver com o bolo todo: a farinha que será usada, o jeito de juntar e mexer os ingredientes, o tempo e a temperatura do forno, o sabor, quantos e quais recheios serão usados, e como ele será montado e decorado ao final. É, portanto, um processo de concepção integral dos produtos.

As empresas que usam o design adequadamente têm sido recompensadas. Sua boa utilização, via de regra, resulta em maior nível de competitividade. Um caso exemplar, citado 10 em cada 10 vezes em que se fala do assunto, é o do iMac. Em entrevista à “Fortune”, Steve Jobs, presidente da Apple, explica sua concepção da atividade: “No vocabulário da maioria das pessoas, design significa aparência. É o tecido da cortina, é o sofá. Para mim, design é a alma de tudo o que o homem cria e que acaba se manifestando nas sucessivas camadas exteriores de um produto ou um serviço. O iMac é mais do que a cor, a transparência ou o formato de sua carcaça. A essência do iMac é ser o melhor computador pessoal possível no qual haja uma total interação entre seus elementos.”

Se é ou não o melhor, não é o caso de discutir aqui, mas inegavelmente o iMac tirou a Apple da ribanceira em que estava antes de seu lançamento. Há inúmeros outros exemplos mostrando que bom design é bom negócio. E não apenas o design de produtos. Os casos da Coca Cola e do Marlboro, cujas marcas valem mais do que o patrimônio das companhias que os produzem, dão a dimensão da importância da identidade visual para o sucesso de uma empresa.

Se para os empresários o bom design faz soar a caixa registradora, para o país ele pode representar uma alavanca do desenvolvimento socioeconômico; e, para o consumidor, frequentemente resulta numa melhoria da qualidade de vida. Por todas essas implicações, design é uma atividade multidisciplinar, ligada à tecnologia, à estética e ao marketing.

Não é meramente um desenho. Moema, por exemplo, nem sabe desenhar, mas é mestre na composição de capas de livros que aumentam as vendas das editoras e o prazer dos leitores. É designer, na melhor acepção da palavra.


O texto acima é de autoria da jornalista Adélia Borges, e faz parte do livro “Designer não é personal trainer e outros escritos” (Editora Rosari/2002). Apesar de ter sido escrito em abril de 2000, suas palavras ainda se fazem tão certeiras e atuais. Ainda nos dias de hoje, o design é encarado com algo supérfluo, estético, quando, na verdade, esta atividade multidisciplinar precisa ser encarada como partícipe de todo o processo, favorecendo e criando diferenciais para quem entende seu uso. Como já dissemos, o Design Precisa Ser Valorizado.  

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